sexta-feira, 27 de março de 2015

“1+1 é sempre mais que dois”



No mundo das contas, nem sempre as operações são tão simples e exatas. As agricultoras que estão na lida do campo e dos grupos produtivos sabem bem disso. Um ingrediente esquecido, um material deixado de fora, a mão-de-obra não contabilizada ou, por vezes, desvalorizada... Quanta diferença cada um dos fatores faz no valor final dos produtos e na renda familiar!

Sabendo a dificuldade enfrentada pelos grupos produtivos de mulheres rurais, o Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA) e a Cooperação e Apoio a Projetos de Inspiração Alternativa (CAPINA) firmaram uma parceria e estão realizando o Programa de Formação em Gestão de Empreendimentos (PFG). O curso é dividido em dois módulos, de cinco dias cada, e trabalha temas como viabilidade econômica, a gestão democrática e a comercialização.
Rosana Lobato, técnica da Capina, explica que a contribuição do PFG é fazer os grupos de mulheres refletirem sobre suas práticas, com a finalidade de tornar as iniciativas autossustentáveis, ao longo do tempo. “Esses grupos têm sido uma representação da nossa vida: sem tempo para nada e com muita coisa para fazer. Então quando dão uma parada, fica muito clara a necessidade de rever o que se está fazendo. Isso se mistura com o medo dos números”.
O programa de formação piloto foi executado na Zona da Mata mineira e agora está sendo desenvolvido nas cinco regiões do Brasil, com o apoio de redes que promovem a agroecologia e o feminismo. O primeiro PFG de 2015 aconteceu no hotel Gold Mar, em Belém (PA), em parceria com a Rede de Mulheres Empreendedoras Rurais da Amazônia (RMERA). Entre 18 e 22/03, mais de vinte agricultoras familiares, agroextrativistas, pescadoras, quilombolas e educadoras do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão e Pará participaram do PFG Amazônia.
A metodologia utilizada ao longo do curso busca estimular a participação de todas as pessoas e a reflexão a partir da prática das mulheres, ou seja, do que e de como elas produzem. Terezinha Pimenta, também da Capina, reforça que “é da descrição de como elas se organizam que você consegue extrair elementos e informações que vão ser capazes de fazer um estudo de viabilidade econômica”. Assim, os conceitos e cálculos dos custos fixos, custos variáveis, margem de contribuição e depreciação foram debatidos no passo-a-passo da produção da farinha de mandioca.
Ao mesmo tempo em que os cálculos foram feitos, as participantes dialogaram sobre suas realidades diárias e sobre o feminismo. Um dos pontos de discussão no PFG Amazônia foi o salário feminino, a partir do relato de uma agricultora que produz farinha de mandioca e de tapioca na comunidade Terra Preta, município de Monte Alegre (PA). “Ainda que as mulheres vão para a roça, cuidem da farinha e tudo, elas ganham a metade da diária de um homem. Hoje na nossa região uma diária de um homem e 40 reais e as mulheres só ganham 20, embora elas produzam as mesmas coisas que eles”.
As visitas de intercâmbio a grupos produtivos proporcionam a troca de experiência entre as integrantes e a verificação, na prática, das etapas de produção. O grupo “Arte Negra”, localizado na comunidade quilombola Abacatal, em Ananindeua (PA), foi o local visitado no PFG Amazônia. As artesãs contaram um pouco a história do grupo, as conquistas, as dificuldades encontradas e apresentaram suas principais produções: garrafas estilizadas de licor e bombons de frutas.
A artesã Maria Santana da Costa Barbosa explicou que, apesar de a comunidade ter 304 anos, 109 famílias e uma faixa de 400 pessoas, os próprios moradores de Ananindeua não conhecem o local, que também é desassistido pelo poder público. Entre as carências da comunidade está a geração de renda digna para a população local, composta, em sua maioria, por mulheres.
“Hoje a maior parte das mulheres ainda depende economicamente dos maridos. Algumas se sujeitam a sair da comunidade e se submeter a serviços arriscados para trazer dinheiro para dentro de casa. A gente criou o grupo com a intenção de melhorar a renda das famílias. Hoje nós estamos mais investindo no grupo do que tendo retorno financeiro, mas nós acreditamos que futuramente vamos ter nossa renda”. 
Maria Santana sabe que os benefícios do grupo vão além do empoderamento econômico das mulheres. Os ganhos da auto-organização feminina extrapolam a questão da remuneração, dizem respeito a todo modo de vida do território. “Ficam velhas as pessoas que se acomodam. Eu quero coisas melhores, eu sonho por dias melhores nessa comunidade e por igualdade. Eu sonho pela organização das mulheres, porque para conseguir os nossos direitos, a gente tem que lutar muito.”
Para Maria Luiza da Costa dos Santos, moradora de Macapá (AP) e integrante da associação dos Artesãos do Estado do Amapá, observar a dinâmica de trabalho de outros grupos, cria possibilidades de modificar a própria produção. “Quero repassar o que aprendi para minha associação. Foi muito bom o intercâmbio para pensar no trabalho da gente. A gente está aprendendo todas as etapas e também no nosso valor”.
            Rosana Lobato avalia que o PFG Amazônia superou as expectativas iniciais das formadoras. “A gente sabia que na Amazônia a formação seria muito diferente (das outras regiões), logo no processo de preparação das fichas, para montar cada atividade do curso. Foi uma surpresa muito positiva, porque o número de mulheres que tem uma produção significativa na prática e na renda familiar foi maioria. Geralmente a gente se depara com um menor número de pessoas com este nível de organização. Apesar de serem muito distantes os estados que compõem esta formação, eles estão muito bem amparados nessa questão da luta das mulheres”.
            Assim como os cálculos são inexatos, as mulheres comprovam que um mais um, ou melhor, “uma mais uma” são muito mais que duas. Organizadas, elas podem qualificar seus empreendimentos e obter conquistas indispensáveis para a construção de uma sociedade mais justa. 










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