sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Feminismo é tema de formação de Agentes de ATER Agroecologia

Equipes técnicas de entidades ligadas às Articulações Mineira e Paulista de Agroecologia, AMA e APA, executoras de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) Agroecologia, participaram de uma formação, entre os dias 12 e 14/01, no Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA). Pela primeira vez uma chamada pública de ATER prevê o atendimento de 50% de público feminino e investimento de 30% dos recursos em atividades específicas que ajudem a construir a autonomia das agricultoras. Por isso, além de abordagens teórica e prática sobre agricultura familiar, os agentes debateram feminismo e superação das desigualdades de gênero no campo.  



O engenheiro agrônomo e consultor do Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário (Dater/MDA), Sergio Biron, explica que houve uma mudança no perfil dos técnicos selecionados para atuar no campo e, por isso, a formação é indispensável para quem vai executar as chamadas.  Se antes era comum uma postura de difusão de tecnologias por parte dos agentes, hoje é necessário conciliar o saber popular dos agricultores com o conhecimento científico: “A Política Nacional de ATER prevê que a relação com os agricultores familiares deve ser uma relação participativa, dialógica e utilizando metodologias construtivistas. Como a maioria dos profissionais que atua no campo não pensa essa formação educacional, é importante que haja esses momentos de formação”.
O modelo de formação escolhido pelas instituições ligadas à AMA faz parte de uma estratégia metodológica desenvolvida por redes de agroecologia que prestam ATER em território nacional. Além da discussão teórica, nesta capacitação, dinâmicas simularam algumas ferramentas que serão utilizadas no projeto. O engenheiro agrônomo e técnico do CTA, Eugênio Resende, avalia positivamente o modelo: “A gente conseguiu reunir mais de 30 pessoas, nivelar as informações e trocar experiências entre as entidades. O que fortalece a agroecologia não só a nível sudeste, mas em todo Brasil”.
As expectativas são grandes por parte de quem se prepara para executar a chamada. Marcos Jota, da Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas, acredita no fortalecimento da agricultura familiar na região metropolitana de Belo Horizonte. Segundo o engenheiro agrônomo, esta “é uma oportunidade de criar uma frente de resistência para comunidades tradicionais que estão ameaçadas por causa da mineração, da especulação imobiliária, pelo crescimento da cidade mesmo”.

Revelando desigualdades de gênero no campo

As chamadas de ATER Agroecologia vêm corrigir um erro histórico, uma vez que, no Brasil, a agricultura familiar nunca foi privilegiada nos projetos de desenvolvimento. Além de favorecer a sustentabilidade da vida, por meio da transição agroecológica dos territórios, as chamadas têm o potencial de revelar e ajudar a desconstruir desigualdades de gênero que ainda persistem no campo.
A sobrecarga de tarefas e a desvalorização do trabalho das mulheres serão estudadas. Uma das ferramentas, presentes na caracterização das unidades produtivas, busca compreender como é a rotina de vida e de produção da família agricultora. Com base em uma proposta metodológica da pesquisadora chilena Cristina Carrasco, será possível evidenciar como a divisão sexual do trabalho está presente no campo e quais as atividades são feitas e qual o tempo gasto por homens e por mulheres.
Visibilizar as atividades essenciais para o funcionamento das unidades produtivas e que não geram renda monetária, assumidas predominantemente pelas mulheres, e refletir sobre o envolvimento de toda a família nas atividades domésticas serão algumas das contribuições do projeto. 

Muito trabalho pela frente
As organizações da AMA que vão executar a chamada são: o Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA), o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA), o Centro Agroecológico Tamanduá (CAT) e a Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas que atua na Região Metropolitana de Belo Horizonte e no Leste de Minas. Entidades da Articulação Paulista de Agroecologia (APA) estão em formação conjunta com a AMA. 

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Agricultoras atendidas pelo CTA participam de estudo elaborado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA)

Quintais produtivos manejados por mulheres rurais, beneficiárias do Centro de Tecnologias Alternativas (CTA), foram visitados pelo engenheiro florestal e consultor do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), Thomás Lopes Ferreira, na última semana. As visitas aconteceram nos municípios de Viçosa, Acaiaca, Diogo de Vasconcelos, Espera Feliz e Divino e fazem parte de um estudo elaborado pela Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais (DPMR), com o objetivo de ampliar as políticas públicas voltadas para este tipo de atividade.



Thomás Ferreira explica que, apesar de as atividades nos quintais produtivos estarem bastante presentes no contexto da agricultura familiar e serem indispensáveis para o sustento das unidades de produção, ainda há muito o que avançar na criação e acesso de mulheres às políticas. “A gente sabe que as mulheres têm sido historicamente negligenciadas no acesso a diversos direitos e que a maior parte dos empreendimentos econômicos tem sido gestada e decidida pelos homens. Por mais que as mulheres participem, trabalhem, manejem, ainda não estão dentro de um contexto de visibilidade”.

Segundo o consultor, há o interesse por parte do MDA de fortalecer ações específicas que contribuam para maior autonomia econômica de mulheres rurais. Thomás cita a importância de programas como o “Minha casa minha vida” considerarem a moradia não só como a casa fixa, mas também o seu entorno. “Nos quintais também há uma ampliação do espaço da moradia e na nossa avaliação é um ponto que está dentro do debate da habitação. Então a expectativa é grande que o estudo se torne realidade, se fortaleça como política pública para mulheres, aumentando a qualidade de vida dessas agricultoras e de suas famílias”.
As mulheres rurais que estão no dia-a-dia do quintal sabem a importância de estudos que resultem em valorização do cuidado com a terra e da produção de alimentos saudáveis, possibilitando a superação dos desafios enfrentados no manejo e na comercialização dos produtos. É o caso da agricultora Terezinha Maria de Jesus Pereira, que fornece alimentos para o mercado local de Viçosa. “Para a gente que não mexe com gado e nem café, a assistência técnica não dá muita atenção não”, relata.

A participação de mulheres da Zona da Mata mineira na pesquisa se deve ao acompanhamento e sistematização que o CTA vem promovendo por meio da Caderneta Agroecológica. A pesquisa do MDA contará com a presença de aproximadamente outras 30 experiências de agricultoras em quintais produtivos das cinco regiões do país, com previsão de término para abril deste ano.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Mulheres da ANA encaminham carta política à presidenta Dilma Rousseff

O GT Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) escreveu uma carta política com reivindicações para a presidenta Dilma Rousseff. A carta foi entregue pela agricultora e participante do Mulheres e Agroecologia em Rede, Mary Delazzari, ao Ministro de Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, na cerimônia de premiação do concurso Margarida Alves. A premiação ocorreu na última terça-feira (10/12), em Brasília e Miguel Rossetto se comprometeu a entregar a carta à presidenta, juntamente com um presente artesanal feito pela agricultora.

O conteúdo da carta pode ser lido a seguir:


À Exma. Sra Dilma Roussef – Presidenta da República Federativa do Brasil

Somos mulheres que em todo o país, no campo, na floresta, nas águas e nas cidades praticamos a agroecologia. Somos agricultoras, extrativistas, pescadoras, quilombolas, indígenas, agricultoras, trabalhadoras urbanas e nos reunimos no Grupo de Trabalho de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia.

Promovemos a soberania alimentar no país sendo as principais produtoras de comida, as encarregadas de trabalhar a terra, manter as sementes, coletar os frutos, conseguir água, cuidar do gado e dos pequenos animais. Responsabilizamo-nos pela alimentação de nossas famílias, pelos cultivos para o autoconsumo, pelas trocas e comercialização dos excedentes da nossa produção. Encarregamo-nos do trabalho reprodutivo, produtivo e comunitário e ainda assim continuamos a ocupar uma esfera privada e invisível e ainda somos as mais afetadas pela pobreza.

Em maio deste ano nos dirigimos à Senhora Presidenta para falar da EMBRAPA que queremos. Sentimo-nos escutadas a partir de um primeiro gesto da Empresa retomando o fórum de agroecologia. Mas sabemos que este é um sinal muito pequeno frente às mudanças que queremos. Viemos lembrar que esperamos ações de reconhecimento do trabalho e do saber das mulheres agricultoras, da agroecologia e das comunidades rurais, bem como a conservação das nossas sementes nos bancos de germoplasma da Embrapa.

Agora voltamos a expressar nossas alegrias e desejo de mais mudanças, mas também nossas preocupações neste momento de início de um novo mandato.

Na 3ª Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário consolidamos e ampliamos conquistas com destaque para as ações de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) Agroecologia com 50% do público beneficiário de mulheres, 30% de atividades realizadas especificamente com as mulheres, além dos 5% do orçamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para mulheres. Estas definições começam a ganhar realidade nas muitas chamadas de ATER que estão sendo realizadas. Nós, dos movimentos sociais, estamos empenhadas em que a ATER atue junto às mulheres, valorize seus conhecimentos e construa caminhos para que elas diminuam sua sobrecarga de trabalho, melhorem seus rendimentos e se abram novas possibilidades de vida. Por isso queremos que sejam garantidos os 50% do público beneficiário de mulheres e 30% de atividades realizadas especificamente com as mulheres em todas as chamadas de ATER e em todas as políticas do PLANAPO (Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica).

Esperamos ainda que a Agência Nacional de ATER (ANATER) seja o reflexo de todo o processo de construção da Política Nacional de ATER, realizada com a ampla participação de diferentes setores que representam a diversidade da agricultura familiar no Brasil. Não abrimos mão de que a direção política da ANATER represente os interesses da agricultura familiar e camponesa e tenha como fio condutor o compromisso com o Brasil Agroecológico que estamos construindo!

Também temos acompanhado de perto a Diretoria de Políticas para as Mulheres Rurais do Ministério do Desenvolvimento Agrário (DPMR/MDA). Valorizamos o quanto foi possível realizar nas políticas e ações que desenvolvem e sua integração com demais órgãos do MDA e com outros ministérios, como a Secretaria de Políticas para as Mulheres. Entendemos que as conquistas da 3ª Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e do PLANAPO apresentam à DPMR desafios e possibilidades ainda maiores e esperamos a ampliação da sua equipe e de seu orçamento para avançar. A ampliação das políticas da DPMR que queremos, se dará através de uma política de crédito e financiamento que atenda às demandas e às capacidades de pagamento das mulheres; a ampliação do programa de organização produtiva das mulheres rurais com orçamento para o fortalecimento dos grupos de mulheres, inclusive recursos para investimento; e apoio à expansão da rede de creches no campo e das ações de combate à violência contra as mulheres; entre outras.

Valorizamos também nossas conquistas sobre o direito e acesso à água de qualidade para consumo humano e produção de alimentos e às mudanças ocorridas no cotidiano das mulheres camponesas do semiárido com o “Programa de Formação e Mobilização Social para Convivência com o Semiárido da Articulação Semiárido Brasileiro“. Hoje temos cerca de 800.000 cisternas para o consumo humano e mais de 73.000 tecnologias objetivando a água para a produção de alimentos, além dos processos de formação para a Convivência com o Semiárido. São mais de 1 milhão e 800 mil mulheres que tiveram suas vidas impactadas diretamente por estes programas. O acesso à água tem mudado a vida das mulheres do semiárido, pois o tempo dedicado a buscar água é hoje dedicado ao estudo, à participação política, às atividades produtivas, entre outras.  As mulheres cumprem um importante papel no manejo e conservação da agrobiodiversidade, sendo assim as políticas para Convivência com o Semiárido, como o “Água para Todos” e o “Programa de Manejo da Agrobiodiversidade” são avanços que reconhecemos e devem ter sua continuidade garantida.

Sabemos o quanto é preciso investir para reverter a dívida histórica que a sociedade brasileira tem com as mulheres que produzem e preparam alimento de qualidade no campo e na cidade. E por isto nos preocupam os sinais de uma política econômica baseada em um ajuste fiscal que pode criar segurança ao capital financeiro, mas cria muita insegurança para quem vive de seu trabalho e com a esperança que a renda seja distribuída de forma justa no Brasil.

Também nos preocupamos com os sinais de que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento seja de vez ocupado por representantes do agronegócio. Vários setores da sociedade brasileira têm lembrado o compromisso da Senadora Kátia Abreu com a concentração da terra, impedindo a reforma agrária e a demarcação de terras indígenas e quilombolas. A eles nos somamos e ainda lembramos o quanto resistimos às tentativas de liberação da tecnologia terminator para sementes, como o projeto da então deputada, por suas conseqüências ainda desconhecidas para a natureza e a perda total de autonomia das agricultoras.  

Nós esperamos mais mudanças no MAPA. Esperamos que o Sistema de Inspeção Federal do MAPA pare de criminalizar a venda de polpa de frutas e, a exemplo da ANVISA, busque uma regulamentação adequada à produção camponesa, familiar e doméstica. Quando olhamos para as atuais normas sanitárias brasileiras, percebemos que elas tratam a agricultura familiar e os alimentos artesanais como uma indústria de larga escala. Na prática, isso resulta em um acelerado processo de padronização dos alimentos. De um lado perdem as mulheres agricultoras, empreendedoras solidárias e microempreendedoras que, sem condições de arcar com os enormes custos para atender a legislação, ficam impedidas de comercializar em mercados formais. De outro, perde a população, que deixa de ter acesso a alimentos produzidos a partir de conhecimentos e práticas tradicionais, passados de geração em geração, constituindo um verdadeiro patrimônio brasileiro.

Considerando a complexidade da legislação, pensada na lógica industrial de produção de alimentos; a desatualização da legislação, que vem desde 1952; e a incapacidade de estrutura para registro, fiscalização e orientação; propomos a criação de uma instância interministerial mediada pela Casa Civil, com participação da sociedade civil para definição de arcabouço legal unificado e simplificado com objetivo de regularizar a produção artesanal, familiar e comunitária de alimentos, evitando a pulverização em diferentes órgãos e setores. Como medida de urgência, propomos a alteração das normas que regulamentam a Produção/Beneficiamento de Polpa de Fruta para os beneficiários definidos na RDC 49, para que estes produtos possam ser regulamentados de maneira descentralizada pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária.

Em consonância com o Brasil Agroecológico que queremos e estamos construindo cotidianamente, esperamos que a reforma agrária se concretize e a terra seja efetivamente destinada à produção de alimentos saudáveis! Esperamos que o Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos saia do papel e tenha um cronograma de medidas executado.
Mais mudanças e nenhum retrocesso é o que esperamos!

Queremos seguir nos territórios onde vivemos, queremos ampliar nossas práticas agroecológicas. Resistimos à muitas ofensivas das empresas, do latifúndio e às vezes até mesmo de nossos companheiros. Mas vamos criando e sustentando uma vida que vale a pena ser vivida por todas e todos. Por isto seguimos em alerta e mobilizadas! Conte conosco sempre que for para fortalecer este caminho.


Tamandaré, 4 de dezembro de 2014.