O
GT Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) escreveu uma carta
política com reivindicações para a presidenta Dilma Rousseff. A carta
foi entregue pela agricultora e participante do Mulheres e Agroecologia em
Rede, Mary Delazzari, ao Ministro de Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto,
na cerimônia de premiação do concurso Margarida Alves. A premiação ocorreu na
última terça-feira (10/12), em Brasília e Miguel Rossetto se comprometeu a
entregar a carta à presidenta, juntamente com um presente artesanal feito pela
agricultora.
O
conteúdo da carta pode ser lido a seguir:
À
Exma. Sra Dilma Roussef – Presidenta da República Federativa do Brasil
Somos
mulheres que em todo o país, no campo, na floresta, nas águas e nas cidades
praticamos a agroecologia. Somos agricultoras, extrativistas, pescadoras,
quilombolas, indígenas, agricultoras, trabalhadoras urbanas e nos reunimos no Grupo
de Trabalho de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia.
Promovemos
a soberania alimentar no país sendo as principais produtoras de comida, as
encarregadas de trabalhar a terra, manter as sementes, coletar os frutos,
conseguir água, cuidar do gado e dos pequenos animais. Responsabilizamo-nos
pela alimentação de nossas famílias, pelos cultivos para o autoconsumo, pelas
trocas e comercialização dos excedentes da nossa produção. Encarregamo-nos do
trabalho reprodutivo, produtivo e comunitário e ainda assim continuamos a
ocupar uma esfera privada e invisível e ainda somos as mais afetadas pela
pobreza.
Em
maio deste ano nos dirigimos à Senhora Presidenta para falar da EMBRAPA que
queremos. Sentimo-nos escutadas a partir de um primeiro gesto da Empresa
retomando o fórum de agroecologia. Mas sabemos que este é um sinal muito
pequeno frente às mudanças que queremos. Viemos lembrar que esperamos ações de
reconhecimento do trabalho e do saber das mulheres agricultoras, da
agroecologia e das comunidades rurais, bem como a conservação das nossas
sementes nos bancos de germoplasma da Embrapa.
Agora
voltamos a expressar nossas alegrias e desejo de mais mudanças, mas também
nossas preocupações neste momento de início de um novo mandato.
Na
3ª Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário
consolidamos e ampliamos conquistas com destaque para as ações de Assistência
Técnica e Extensão Rural (ATER) Agroecologia com 50% do público beneficiário de
mulheres, 30% de atividades realizadas especificamente com as mulheres, além
dos 5% do orçamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para mulheres.
Estas definições começam a ganhar realidade nas muitas chamadas de ATER que
estão sendo realizadas. Nós, dos movimentos sociais, estamos empenhadas em que
a ATER atue junto às mulheres, valorize seus conhecimentos e construa caminhos
para que elas diminuam sua sobrecarga de trabalho, melhorem seus rendimentos e
se abram novas possibilidades de vida. Por isso queremos que sejam garantidos
os 50% do público beneficiário de mulheres e 30% de atividades realizadas
especificamente com as mulheres em todas as chamadas de ATER e em todas as
políticas do PLANAPO (Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica).
Esperamos
ainda que a Agência Nacional de ATER (ANATER) seja o reflexo de todo o processo
de construção da Política Nacional de ATER, realizada com a ampla participação
de diferentes setores que representam a diversidade da agricultura familiar no
Brasil. Não abrimos mão de que a direção política da ANATER represente os
interesses da agricultura familiar e camponesa e tenha como fio condutor o
compromisso com o Brasil Agroecológico que estamos construindo!
Também
temos acompanhado de perto a Diretoria de Políticas para as Mulheres Rurais do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (DPMR/MDA). Valorizamos o quanto foi
possível realizar nas políticas e ações que desenvolvem e sua integração com
demais órgãos do MDA e com outros ministérios, como a Secretaria de Políticas
para as Mulheres. Entendemos que as conquistas da 3ª Conferência Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentável e do PLANAPO apresentam à DPMR desafios e
possibilidades ainda maiores e esperamos a ampliação da sua equipe e de seu
orçamento para avançar. A ampliação das políticas da DPMR que queremos, se dará
através de uma política de crédito e financiamento que atenda às demandas e às
capacidades de pagamento das mulheres; a ampliação do programa de organização
produtiva das mulheres rurais com orçamento para o fortalecimento dos grupos de
mulheres, inclusive recursos para investimento; e apoio à expansão da rede de
creches no campo e das ações de combate à violência contra as mulheres; entre
outras.
Valorizamos
também nossas conquistas sobre o direito e acesso à água de qualidade para
consumo humano e produção de alimentos e às mudanças ocorridas no cotidiano das
mulheres camponesas do semiárido com o “Programa de Formação e Mobilização
Social para Convivência com o Semiárido da Articulação Semiárido Brasileiro“.
Hoje temos cerca de 800.000 cisternas para o consumo humano e mais de 73.000
tecnologias objetivando a água para a produção de alimentos, além dos processos
de formação para a Convivência com o Semiárido. São mais de 1 milhão e 800 mil
mulheres que tiveram suas vidas impactadas diretamente por estes programas. O
acesso à água tem mudado a vida das mulheres do semiárido, pois o tempo
dedicado a buscar água é hoje dedicado ao estudo, à participação política, às
atividades produtivas, entre outras. As mulheres cumprem um importante
papel no manejo e conservação da agrobiodiversidade, sendo assim as políticas
para Convivência com o Semiárido, como o “Água para Todos” e o “Programa de
Manejo da Agrobiodiversidade” são avanços que reconhecemos e devem ter sua
continuidade garantida.
Sabemos
o quanto é preciso investir para reverter a dívida histórica que a sociedade
brasileira tem com as mulheres que produzem e preparam alimento de qualidade no
campo e na cidade. E por isto nos preocupam os sinais de uma política econômica
baseada em um ajuste fiscal que pode criar segurança ao capital financeiro, mas
cria muita insegurança para quem vive de seu trabalho e com a esperança que a
renda seja distribuída de forma justa no Brasil.
Também
nos preocupamos com os sinais de que o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento seja de vez ocupado por representantes do agronegócio. Vários
setores da sociedade brasileira têm lembrado o compromisso da Senadora Kátia
Abreu com a concentração da terra, impedindo a reforma agrária e a demarcação
de terras indígenas e quilombolas. A eles nos somamos e ainda lembramos o
quanto resistimos às tentativas de liberação da tecnologia terminator para
sementes, como o projeto da então deputada, por suas conseqüências ainda
desconhecidas para a natureza e a perda total de autonomia das
agricultoras.
Nós
esperamos mais mudanças no MAPA. Esperamos que o Sistema de Inspeção Federal do
MAPA pare de criminalizar a venda de polpa de frutas e, a exemplo da ANVISA,
busque uma regulamentação adequada à produção camponesa, familiar e doméstica.
Quando olhamos para as atuais normas sanitárias brasileiras, percebemos
que elas tratam a agricultura familiar e os alimentos artesanais como uma
indústria de larga escala. Na prática, isso resulta em um acelerado processo de
padronização dos alimentos. De um lado perdem as mulheres agricultoras,
empreendedoras solidárias e microempreendedoras que, sem condições de arcar com
os enormes custos para atender a legislação, ficam impedidas de comercializar
em mercados formais. De outro, perde a população, que deixa de ter acesso a
alimentos produzidos a partir de conhecimentos e práticas tradicionais,
passados de geração em geração, constituindo um verdadeiro patrimônio
brasileiro.
Considerando
a complexidade da legislação, pensada na lógica industrial de produção de
alimentos; a desatualização da legislação, que vem desde 1952; e a incapacidade
de estrutura para registro, fiscalização e orientação; propomos a criação de
uma instância interministerial mediada pela Casa Civil, com participação da
sociedade civil para definição de arcabouço legal unificado e simplificado com
objetivo de regularizar a produção artesanal, familiar e comunitária de
alimentos, evitando a pulverização em diferentes órgãos e setores. Como medida
de urgência, propomos a alteração das normas que regulamentam a
Produção/Beneficiamento de Polpa de Fruta para os beneficiários definidos na
RDC 49, para que estes produtos possam ser regulamentados de maneira
descentralizada pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária.
Em
consonância com o Brasil Agroecológico que queremos e estamos construindo
cotidianamente, esperamos que a reforma agrária se concretize e a terra
seja efetivamente destinada à produção de alimentos saudáveis! Esperamos que o
Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos saia do papel e tenha um
cronograma de medidas executado.
Mais
mudanças e nenhum retrocesso é o que esperamos!
Queremos
seguir nos territórios onde vivemos, queremos ampliar nossas práticas
agroecológicas. Resistimos à muitas ofensivas das empresas, do latifúndio e às
vezes até mesmo de nossos companheiros. Mas vamos criando e sustentando uma
vida que vale a pena ser vivida por todas e todos. Por isto seguimos em alerta
e mobilizadas! Conte conosco sempre que for para fortalecer este caminho.
Tamandaré,
4 de dezembro de 2014.
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